2015/10/06

O brilhantismo em letras...

É comprido, mas vale a pena! Maravilhosamente dissertado pelo meu grande amigo Manteiga. Mesmo à distância, directamente da Tailândia, uma análise brilhante e lúcida das nossas eleições. Não concordo com tudo, mas a análise dele está espectacular!

Legislativas de 2015: baralha e volta a dar.

Com os resultados das Eleições Legislativas de 2015, estamos perante um cenário que a imprensa internacional tem classificado de imprevisível: Portugal é o primeiro país a votar maioritariamente num partido (ou coligação) que sendo governo no anterior mandato, conduziu o país a severas medidas de austeridade para poder pagar um empréstimo requerido à nossa querida Troika. Tanto na Grécia como na Irlanda, os governos que assinaram estes acordos com o FMI ou Banco Central Europeu, acabaram por sofrer derrotas expressivas, mas em Portugal os eleitores gostaram tanto destas 50 Sombras de Grey, que estão dispostos a levar mais umas chibatadas nas nalgas durante uns anos...
As sondagens bem avisavam o que Portugal se preparava para fazer no regresso às urnas, mas alguns de nós teimávamos acreditar que tal resultado fosse possível. No entanto, eu julgo que este resultado vai trazer um período de incerteza no país que apenas o novo Presidente da República, a ser eleito em meados de 2016, poderá resolver.

Ora vejamos, tudo começa com o facto de que quase todos os partidos "ganharam" ontem, a julgar pelos comentários dos seus líderes. A coligação Portugal à Frente ganhou porque foi quem teve mais votos e terá mais deputados no hemiciclo (104 dos 230, faltando ainda apurar 4 provenientes de votos do Estrangeiro); O PS ganhou porque com este resultado a coligação Portugal à Frente não tem maioria absoluta; O Bloco ganhou porque conseguiu 19 deputados (mais de 10% dos votos, depois de ter estado em queda desde as legislativas de 2009); a CDU ganhou porque fica com mais 1 deputado do que tinha antes; O PAN ganhou porque conseguiu um inédito deputado pela primeira vez; o Livre ganhou porque obrigou a um diálogo e uma convergência à esquerda (mas só até descobrir que afinal não iam eleger o deputado por Lisboa); e todos os outros foram ganhando mais ou menos durante a noite.

Bom, eu tenho para mim que a grande maioria destes partidos acabou por sair derrotado. A coligação PSD/CDS termina este acto eleitoral com menos 700 mil votos que em 2011 e sem muito por onde escolher em termos de parcerias governativas; O PS não conseguiu capitalizar o descrédito no Governo PSD/CDS que o eleitorado português demonstrou nas Europeias (onde só conseguiram 27%) e foi sempre a cair nas intenções de voto desde que António Costa assumiu a liderança (nem sequer vão ter mais deputados que o PSD); À CDU eu esperava uma votação muito mais significativa, mas acabou por ter quase o mesmo número de votos de 2011, o que leva o PCP a ser o 5º partido em termos de deputados na Assembleia; O Livre, com toda a aposta em propaganda e tempo de antena dado pela comunicação social, acabou sem deputados e com metade dos votos que teve nas Europeias  (onde houve menos 2 milhões de votantes do que nestas Legislativas); Marinho e Pinto não conseguiu aproveitar a boleia do "voto de raiva" que os Portugueses lhe deram nas Europeias (mais de 7% no MPT) e o PDR acabou vítima do voto útil, depois de apregoar ser uma alternativa ao "centro"; A coligação Agir ficou com pouco mais de 20 mil votos apesar da tentativa de grande cartada ao pôr a sua cabeça de lista por Lisboa toda nua na capa de uma revista. Se há vencedores desta eleição, julgando pela frieza dos números e pelas expectativas criadas pelas sondagens, são eles o Bloco de Esquerda e o PAN.

Agora, em Portugal toda a gente sabe que não se consegue governar sem maioria absoluta. Cavaco Silva levou com uma moção de censura em 1986 e nós com 2 maiorias absolutas do PSD, Guterres tentou através do diálogo (ou seja, não se fez muito) e acabou a comer queijo Limiano, Sócrates em 2009 não conseguia fazer passar PECs nem orçamentos de Estado, e tenho muitas dúvidas que Passos Coelho consiga manter um governo activo durante 4 anos. O Pedrinho não é muito de dialogar e, apesar de no discurso de ontem ter dado uma mão ao PS, duvido muito que António Costa se alie num Bloco Central (é demasiado orgulhoso para isso e o PS perdia a pouca vergonha que ainda tem). Ora, quando se começar a discutir o orçamento de Estado, as primeiras bujardas vão aparecer e, eventualmente, o Presidente da República vai estar sob pressão para demitir o Governo. Fala-se que uma super coligação de Esquerda poderia surgir mas PS/BE/PCP têm tantas diferenças e já tiveram tantas oportunidades no passado, que não me parece que tal aconteça. Resta dissolver a Assembleia se as comadres não se entenderem, mas como nos últimos 6 meses de mandato o Presidente não pode fazê-lo, teremos de esperar pela eleição do sucessor de Cavaco Silva. Vai ser um baralha e volta a dar para os Portugueses decidirem novamente e temo que a história se repita como em 1987.

Quanto a estas eleições, julgo que a abstenção, que tem vindo a subir ao longo das legislativas, deve ser devidamente analisada. Não faz muito sentido que hajam 4 milhões de eleitores inscritos que não votam e há com certeza acções que podem ser tomadas para ajudar a reduzir o problema. Há que criar um sistema que ligue o cartão do cidadão ao cartão de eleitor para que actualizações automáticas substituam as actuais revisões dos cadernos eleitorais. O processo actual é demasiado burocrático e demorado, principalmente para quem está no estrangeiro. É necessário registar no consulado, depois alterar a morada do cartão do cidadão e depois então fazer o recenseamento, isto 60 dias antes do acto eleitoral. A exemplo, a secção consular na Tailândia não tem a possibilidade de renovar o cartão de cidadão, que terá de ser feita em Portugal. No meu caso particular, que vou a Portugal 2 vezes por ano, o processo levaria uns 8 mesinhos. Tudo isto para poder exercer o meu direito de votar. E eu tenho a sorte de viver numa cidade com uma secção consular eficiente, pois nem quero imaginar nos casos em que o tratamento da documentação tenha de ser feita à distância.

Assim se justifica que estejam recenseados apenas 242.526 portugueses nos círculos do estrangeiro e que hajam taxas de abstenção como as das Legislativas de 2011, com 83% e das Europeias de 2014, com 98%! Outra agravante é que como o voto é enviado por correspondência, existem uma série de procedimentos a seguir para se poder votar com sucesso, procedimentos estes caso não sejam criteriosamente seguidos, serão considerados votos nulos. Se porventura te enganares no boletim, a CNE sugere o seguinte: fazer cruzes em todos os quadrados e enviar na mesma. O número de votos nulos em 2011 no estrangeiro foram de 4697, o que corresponde a cerca de 14%. E tenho a certeza que nem todos foram com desenhos de pilas. De todos os Portugueses que conheço a viver no estrangeiro, gostaria de saber quantos tiveram a oportunidade de votar nestas eleições, tendo em conta o que custa para exercer o seu direito. Fora da Europa existem os círculos eleitorais de África do Sul, Brasil, Canadá, EUA, Restantes países da América, Restantes países de África e finalmente Países da Ásia e Oceânia (onde eu e a Rafaela estamos inscritos). Vale uma garrafa de vinho a quem acertar no meu número de eleitor, tendo em conta que me recenseei no dia 30 de Julho.

Outra coisa a mudar, mas que terá de ser da responsabilidade dos partidos, será a forma de fazer campanha. Eu não tive oportunidade de seguir afincadamente a campanha eleitoral este ano, mas o pouco que vi limitou-se a sessões de apontar o dedo uns aos outros. Pouco se fala do que se quer para o país e as redes sociais acabam por ser um palco de injúrias proferidas entre os vários lados da barricada. Os posts do facebook e outros demais, revelam que afinal nós somos todos anormais, analfabetos, ingénuos, sado-masoquistas, fascistas, comunas duma figa, marcianos, cassetes, gatunos, cabrões e filhos da outra. Resume-se a isto a nossa política hoje em dia. E em grande maioria se deve à falta de conteúdo nos argumentos que são esgrimidos pelos nossos representantes (e aspirantes ao hemiciclo). Não é por falta de opção que as pessoas se deixam ficar em casa a ver a bola, porque desta vez tivemos 19 partidos diferentes (uns coligados, outros não) a concorrer às Legislativas. É mais pela falta de critério e credibilidade. Ainda vemos os nossos políticos da maneira errada: o Sócrates de 2005 era um grande homem, por isso se votava nele (não no PS), mas em 2015 não voto no PS porque andou cá o Sócrates mafioso e o Costa é amigo dele. E é em torno disto que gira a nossa campanha.

No final, o pessoal acaba por não despender 5 minutos a tentar perceber o que cada um propõe. Eu não quero aquilo que o PSD/CDS disseram que irão fazer, discordo de muitas das acções a que se comprometem porque ainda acredito que o Estado deva ser um mecanismo de redistribuição de riqueza e potenciador de uma economia estável e com consciência social. Estou me cagando que o Relvas seja um pelintra e que o Sócrates tenha feito o Inglês técnico em 2 dias. Agora, quem prejudica este mecanismo do Estado social para proveito próprio deve ser julgado atempadamente e é por isso que os Tribunais são um dos pilares da nossa Constituição. José Sócrates ou Paulo Portas têm de ser julgados e tomados como exemplo de que quem lesa o Estado (e consequentemente eu e tu) não passa impune. E que não estejam cá para ensombrar as próximas eleições, pois é isso que faz os portugueses votar sempre nos mesmos, ora uma vez à esquerda ora à direita, dependendo onde está o mau da fita. Espero que todos os Portugueses tenham a consciência tranquila e que se lembrem daquilo que lhes foi prometido por cada um dos partidos e que levou à sua escolha, e que antes das próximas eleições faça um balanço do que aconteceu. Eu tenho a minha bem limpa, de quem escolhe aquilo em que acredita e que até agora não me desiludiu, com a esperança que um dia seja capaz de alcançar a governação e mostrar ao país que a obra feita e a confiança depositada de muitas autarquias não são um mero outlier numa estatística que dá sempre os mesmos resultados.

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